sexta-feira, 27 de agosto de 2010

UNODC propõe tratamento para dependência química e não a punição

21 de julho de 2010 - A dependência química é uma questão de saúde e os usuários de drogas necessitam de tratamento humano e eficaz, não de punição. Esta foi a principal mensagem de um documento lançado durante a XVIII Conferência Internacional sobre Aids em Viena. "Devemos parar de estigmatizar os usuários. Temos de provê-los com tratamento médico de alta qualidade, aconselhamento e acompanhamento, não com detenção" disse Gilberto Gerra, Chefe da Unidade de Prevenção ao Uso de Drogas e Saúde do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).


Com o título "Da coerção à coesão: tratando a dependência química por meio dos serviços de saúde e não com punição", o trabalho foi lançado em conjunto com o relançamento do relatório de 2010 da Open Society Institutes (OSI), "Detenção como tratamento: detenção de usuários de metanfetamina no Camboja, Laos e Tailândia".


O relatório do UNODC destaca que a prática de colocar os usuário de drogas em centros de detenção compulsória e prisões está se tornando cada vez mais comum e afirma que tais ambientes frequentemente impulsionam violações dos direitos humanos, incluindo trabalho forçado e violência, em contravenção às abordagens recomendadas internacionalmente.


A prevalência do HIV entre as pessoas privadas de liberdade é geralmente mais alta do que na população livre devido a fatores que incluem a utilização de equipamento não esterilizado por usuários de drogas injetáveis. Além disso, a ausência de programas de prevenção do HIV, serviços de saúde limitados e a falta de acesso ao tratamento antirretroviral contribuem para cenário.


A sessão de lançamento do documento "Da coerção à coesão" foi moderada por Christian Kroll, Coordenador Global do Programa de HIV e Aids do UNODC. Também participaram da sessão: Gilberto Gerra; Anand Grover, Relator Especial da ONU sobre Direito à Saúde; Rebecca Schleiffer, Diretora de Advocacy, Divisão de Saúde e Direitos Humanos da Human Rights Watch e Daniel Wolf, Diretor do Desenvolvimento Internacional de Redução de Danos da OSI.


Os expositores exploraram o papel da segurança pública e dos sistemas públicos de saúde na implementação de tratamento para usuário de drogas que, de acordo com o UNODC, deve ser baseada em evidências científicas e gerida por profissionais da saúde pública. O tratamento deve promover a prevenção do HIV e respeitar os diretos humanos dos usuários de drogas. Serviços de tratamento para dependência química, voluntários e orientados à comunidade, têm mais chances de atrair aqueles usuários de drogas que necessitam de tratamento e ainda economizariam recursos, afirma o documento.


O UNODC é a agência líder do UNAIDS para prevenção, tratamento, atenção e apoio ao HIV para usuários de drogas e pessoas em privação de liberdade.


Fonte: Serviço de Informação das Nações Unidas (UNIS)

Relatório Mundial sobre Drogas 2010 revela tendências de novas drogas e de novos mercados

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010, divulgado nesta quarta-feira pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que o consumo de drogas está se deslocando em direção a tendências de novas drogas e de novos mercados. O cultivo de drogas está diminuindo no Afeganistão (ópio) e nos países andinos (coca), e o consumo de drogas tem se estabilizado nos países desenvolvidos. Entretanto, há sinais de aumento no consumo de drogas nos países em desenvolvimento, além de um aumento no consumo de substâncias do tipo anfetamina (ATS, na sigla em inglês) e no abuso de medicamentos sob prescrição em todo o mundo.







Redução do cultivo de ópio e de coca

O Relatório mostra que a oferta mundial dos dois tipos de drogas mais problemáticos - opiáceos e cocaína - continua em declínio. A área global de cultivo de ópio caiu quase um quarto (23%) nos últimos dois anos, e a produção de ópio deve cair drasticamente em 2010, devido a uma praga que pode destruir até um quarto da papoula do Afeganistão. O cultivo de coca, que diminuiu 28% na última década, manteve a tendência de queda em 2009. A produção mundial de cocaína diminuiu de entre 12% e 18% no período de 2007 a 2009.



Heroína: diminuição da produção, mas poucas apreensões

O potencial global de produção de heroína caiu 13% para 657 toneladas em 2009, refletindo uma menor produção de ópio no Afeganistão e em Mianmar. A quantidade de heroína que efetivamente chega ao mercado é muito menor (cerca de 430 toneladas), uma vez que grandes quantidades de ópio estão sendo armazenadas. O UNODC estima que existam atualmente mais de 12 mil toneladas de ópio afegão estocadas - o que equivale a cerca de dois anos e meio de demanda global ilícita de opiáceos.



O mercado global de heroína, estimado em US$ 55 bilhões, está concentrado no Afeganistão (país responsável por 90% da oferta), na Rússia, no Irã e na Europa Ocidental, que, juntos, consomem metade da heroína produzida no mundo.



Embora o Afeganistão seja o maior produtor de opiáceos do mundo, o país apreende menos de 2% dessa produção. Irã e Turquia lideram os índices de apreensão, sendo responsáveis por mais da metade de toda a heroína apreendida no mundo em 2008. As taxas de interceptação em outros lugares são muito menores. Ao longo da rota do norte, os países da Ásia Central somente apreendem meros 5% das 90 toneladas de heroína que cruzam seu território em direção a Rússia. Por sua vez a Rússia, que consome 20% da produção de heroína do Afeganistão, apreende apenas 4% desse fluxo. Os números são ainda piores ao longo da rota dos Bálcãs: alguns países do Sudeste da Europa, incluindo estados membros da União Europeia, interceptam menos de 2% da heroína que atravessa seu território.



O mercado de cocaína está mudando

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 revela que o consumo de cocaína tem diminuído significativamente nos Estados Unidos, nos últimos anos. O valor de varejo no mercado de cocaína nos Estados Unidos diminuiu cerca de dois terços na década de 1990, e cerca de um quarto na década passada. "Um dos motivos para a violência associada às drogas no México é que os carteis estão lutando por um mercado que está diminuindo", disse o Diretor Executivo do UNODC, Antonio Maria Costa. "Essa disputa interna é benéfica para a América, pois a escassez de cocaína está resultando em menores índices de dependência, preços mais elevados e menor pureza nas doses".



De certa forma, o problema atravessou o Atlântico: na última década, o número de usuários de cocaína na Europa duplicou, passando de 2 milhões, em 1998, para 4,1 milhões em 2008. Em 2008, o mercado europeu (estimado em US$ 34 bilhões) chegou a ser quase tão valioso quanto o mercado norte-americano (US$ 37 bilhões). A mudança na demanda acarretou uma mudança nas rotas de tráfico, com uma quantidade crescente de cocaína sendo traficada dos países andinos para a Europa, via África Ocidental. Isso está causando instabilidade na região. "Pessoas que consomem cocaína na Europa estão destruindo florestas nativas dos países andinos e corrompendo governos na África Ocidental", disse Costa.



Uso de drogas sintéticas ultrapassa o de opiáceos e de cocaína somados

O número global de pessoas que usam estimulantes do tipo anfetamina (ATS), estimado em algo entre 30 a 40 milhões, em breve deverá ultrapassar o número somado de usuários de opiáceos e de cocaína. Há também evidências de um crescente abuso de medicamentos vendidos sob prescrição médica. "Não vamos resolver o problema mundial da droga se simplesmente empurrarmos o vício da cocaína e heroína para outras substâncias que causam dependência - e há quantidades infinitas dessas substâncias sendo produzidas por laboratórios clandestinos a custos baixíssimos", advertiu Costa.



O mercado das ATS é mais difícil de ser controlado porque a rota do tráfico é muito curta (a produção geralmente ocorre perto dos principais mercados de consumo), e pelo fato de que muitas das matérias-primas são legais e amplamente disponíveis. Os fabricantes são rápidos na comercialização de novos produtos (como quetamina, piperazinas, Mefedrona e Spice) e na exploração de novos mercados. "Essas novas drogas causam um problema duplo. Primeiramente, elas são produzidas num ritmo muito mais rápido do que as normas regulatórias e a lei podem acompanhar. Em segundo lugar, a comercialização dessas drogas é engenhosamente inteligente, pois são fabricadas sob encomenda, de modo a satisfazer as preferências específicas de cada situação", disse Costa.



O número de laboratórios clandestinos de ATS relatados aumentou 20% em 2008, inclusive em países onde esses laboratórios nunca antes haviam sido detectados.



A fabricação de ecstasy tem aumentado na América do Norte (principalmente no Canadá) e em várias partes da Ásia, e o consumo parece estar aumentando na Ásia. Em outra demonstração da fluidez dos mercados de drogas, o consumo de ecstasy na Europa vem caindo desde 2006.



A maconha continua sendo a droga mais popular do mundo

A maconha continua sendo a substância ilícita mais amplamente produzida e utilizada no mundo: é cultivada em quase todos os países do mundo e consumido por algo entre 130 a 190 milhões pessoas pelo menos uma vez por ano - apesar de esses parâmetros não dizer muito em termos de dependência. O fato de que o consumo de maconha esteja diminuindo em alguns de seus mercados mais valiosos, leia-se América do Norte e partes da Europa, ele representa outra indicação de mudança nos padrões do abuso de drogas.



O UNODC encontrou evidências de cultivo indoor de maconha para fins comerciais em 29 países, especialmente na Europa, na Austrália e na América do Norte. O cultivo indoor de maconha é um negócio lucrativo e que, cada vez mais, se torna uma fonte de recursos para grupos criminosos. Com base em dados recolhidos em 2009, o Afeganistão é hoje o maior produtor mundial de haxixe (assim como de ópio).



Tratamento para dependentes é insuficiente

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 expõe uma grave falta de serviços de tratamento para usuários de drogas em todo o mundo. "Enquanto pessoas de países ricos podem pagar pelo tratamento, pessoas pobres e/ou países pobres estão enfrentando as piores consequências à saúde", alertou o chefe do UNODC. O relatório estima que, em 2008, apenas cerca de um quinto dos usuários de drogas dependentes receberam tratamento no ano passado - o que significa cerca de 20 milhões de pessoas dependentes de drogas sem receber tratamento adequado. "Já está na hora de haver acesso universal ao tratamento para as drogas", disse Costa.



Ele considera que a saúde é a peça-chave no controle de drogas. "A dependência é um problema de saúde tratável, não uma sentença morte. Os dependentes de drogas devem ser encaminhados para tratamento, não para a prisão. E o tratamento da dependência de drogas deve fazer parte dos serviços de saúde em geral".



Ele também fez um apelo por um maior respeito pelos direitos humanos. "Só porque as pessoas usam drogas ou estão atrás das grades, isso não elimina seus direitos. Faço um apelo aos países onde as pessoas são executadas por crimes relacionados com drogas, ou pior, são mortos a tiros por grupos de extermínio, para acabar com essas práticas".



Sinais de alerta nos países em desenvolvimento

Costa destacou os perigos do uso de drogas nos países em desenvolvimento. "As forças do mercado já moldaram as dimensões assimétricas da economia da droga: os maiores consumidores de drogas (os países ricos) impuseram aos países pobres (os principais locais de abastecimento e de tráfico) os maiores danos", disse Costa. "Os países pobres não estão em condições de absorver as consequências do aumento do consumo de drogas. Os países em desenvolvimento enfrentam uma crise iminente que poderá levar milhões de pessoas para o problema da dependência de drogas".



Ele citou como exemplos o crescimento do consumo de heroína na África Oriental, o aumento do uso de cocaína na África Ocidental e na América do Sul e o aumento na produção e no abuso de drogas sintéticas no Oriente Médio e no Sudeste Asiático. "Nós não vamos resolver o problema mundial da droga deslocando o consumo dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento", disse Costa.



Tráfico de drogas e instabilidade

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 traz um capítulo especial sobre a influência desestabilizadora do tráfico de drogas nos países de trânsito, focando em particular no caso da cocaína. Ele mostra como o subdesenvolvimento e a fragilidade dos governos atrai o crime, ao mesmo tempo em que o crime aprofunda a instabilidade. O documento mostra como a riqueza, a violência e o poder do tráfico de drogas podem comprometer a segurança e até mesmo a soberania dos estados. A ameaça à segurança instaurada pelo tráfico de drogas esteve na pauta do Conselho de Segurança das Nações Unidas em diversas oportunidades no ano passado.



Embora a violência relacionada às drogas no México receba uma atenção considerável, o Triângulo Norte da América Central, composto por Guatemala, Honduras e El Salvador está sendo ainda mais afetado, com taxas de homicídio muito mais elevadas do que as do México. O Relatório diz que a Venezuela emergiu como um ponto importante de origem para a cocaína traficada para a Europa: entre 2006 e 2008, mais da metade de todos os carregamentos marítimos interceptados com cocaína para a Europa veio da Venezuela.



O Relatório destaca a situação de instabilidade na África Ocidental, que se tornou um centro de tráfico de cocaína. O documento observa que "traficantes conseguiram cooptar figuras importantes de algumas sociedades de regime autoritário", citando o caso recente da Guiné-Bissau.



Costa pediu mais desenvolvimento para reduzir a vulnerabilidade ao crime e para um maior esforço na aplicação da lei para lidar contra o tráfico de drogas. "Se não enfrentarmos de forma efetiva a ameaça representada pelo crime organizado, nossa sociedade será mantida como refém - e o controle de drogas ficará comprometido por reiteradas manifestações para acabar com as convenções de drogas da ONU, as quais críticos apontam como causa da criminalidade e da instabilidade. Isso irá desfazer o progresso conquistado pelo controle de drogas na última década e desencadear um desastre em termos de saúde pública", alertou. "A menos que a prevenção e o tratamento sejam levados mais a sério, o apoio da opinião pública para as convenções de drogas da ONU irá diminuir".

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Crack sai dos guetos e se alastra pelo país

O consumo se disseminou a tal ponto que o presidente Lula veio a público externar sua preocupação.

Ele determinou a criação de um seminário nacional que discuta a questão do crack e seus efeitos nocivos na juventude brasileira. "Eu nunca vi tanta gente se queixando dos efeitos do crack como tenho visto atualmente quando converso com os prefeitos", disse Lula, em entrevista recente.

O crack se alastra porque é uma droga barata e mais viciante (e devastadora) que as outras. Drogas como maconha, cocaína e LSD foram ícones de uma época - chegaram às ruas quase como um passaporte de entrada obrigatório para certos círculos sociais, principalmente nos anos 70 (maconha) e 80 (cocaína). Já o crack nunca teve glamour.

A Cracolândia, área mais degradada do decadente centro de São Paulo, era praticamente seu único habitat. Acabou se alastrando no boca a boca, chegando à classe média. "Não existe essa coisa de droga de pobre ou droga de rico", diz o dr. Carlos Salgado, presidente da Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas). "Uma droga leva à outra. Quem fuma maconha pode passar a fumar crack quando ouve que aquilo vai dar um barato maior."

O crack nasceu nos guetos americanos e se alastrou pelo mundo, principalmente nas grandes cidades. Mas hoje já há relatos de grupos de viciados até em plantações de cana no Brasil. Nas cidades do interior, lugares como rodoviárias e praças centrais parecem ter se tornado "filiais" da cracolândia paulistana.

No Rio, os próprios traficantes coibiam a disseminação do crack devido ao seu enorme potencial viciante - havia o risco de os "funcionários" do tráfico ficarem "inúteis" depois de consumirem o crack e, por ser uma droga mais barata, o foco das vendas sempre foi a maconha e a cocaína. "Mas agora isso saiu de controle.

Vejo o crack se alastrando de forma alarmante", diz o rapper MV Bill, espécie de líder comunitário da Cidade de Deus, uma das regiões mais pobres do Rio de Janeiro. "Vejo crianças se viciando. Vejo meninos partindo para o latrocínio e meninas se prostituindo em troca de crack. É um cenário muito preocupante e vejo pouca movimentação das autoridades no sentido de coibir o crescimento dessa droga", emenda MV Bill.

sábado, 21 de agosto de 2010

Projeto obriga exibição de filme publicitário contra as drogas

Projeto obriga exibição de filme publicitário contra as drogas no início de cada sessão de cinema PDF Imprimir E-mail

Agência Senado

A exibição de um filme publicitário em que são esclarecidas as consequências do uso de drogas ilegais e do abuso de drogas lícitas poderá tornar-se obrigatória nos cinemas de todo o país.

É o que estabelece projeto de lei da Câmara (PLC 49/07 ou PL 6297/02, na Casa de origem) que se encontra na pauta da Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). A relatora da matéria, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), é favorável a sua aprovação.
De autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), o projeto estabelece que a inserção da peça publicitária de caráter educativo ocorrerá no início de cada sessão de exibição de filmes nos cinemas de todo o país.


Os custos de produção, distribuição e exibição do material publicitário serão cobertos pelo Fundo Nacional Antidrogas (Funad), que destina recursos aos programas de educação preventiva sobre o uso de drogas.
Em seu relatório, Kátia Abreu lembra o poder exercido pela mídia sobre o comportamento dos espectadores, acrescentando que estudos sobre saúde pública já comprovaram a influência que a propaganda, explícita ou subliminar, tem sobre a indução ao uso do cigarro e outras substâncias capazes de provocar a dependência química.
Na avaliação da senadora, a estratégia de intervir na programação das salas de cinema, com a exibição obrigatória do filme publicitário, não atenta contra a livre iniciativa dos exibidores cinematográficos.
Para Kátia Abreu, "é patente e consensual" que o uso de drogas ilegais e o abuso de drogas lícitas constituem uma das práticas mais deletérias para a sociedade brasileira, razão pela qual tal combate deve ser assumido por todos os seus segmentos.
Na Câmara, o projeto foi aprovado nos termos de SubstitutivoQuando o relator de determinada proposta introduz mudanças a ponto de alterá-la integralmente, o Regimento Interno do Senado chama este novo texto de "substitutivo". Quando é aprovado, o substitutivo precisa passar por "turno suplementar", isto é, uma nova votação. apresentado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, mais tarde acatado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania daquela Casa.
No Senado, o projeto será examinado ainda pelas Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Maconha faz mal?

Maconha faz mal?, por Sérgio de Paula Ramos* PDF Imprimir E-mail

Zero Hora
Sou dos que pensam que não cabe a um especialista determinar como uma sociedade deve se comportar frente a este ou àquele tema. Nosso dever é dar informações científicas e permitir que, em posse delas, a própria sociedade decida sobre seus caminhos.
Com a maconha, é isso que deve ocorrer.

O especialista alerta que seu uso por jovens, comprovadamente, associa-se com posterior queda no rendimento escolar, experimentação de outras drogas, depressão e esquizofrenia.

Ainda que jovens que usaram maconha mais do que 100 vezes na vida (ou seja, duas vezes por semana ao menos por um ano), ao chegarem aos 25 anos, terão menos diplomas universitários e estarão menos empregados que seus iguais não usuários.

Outro fato relevante é que maconha, na história natural de um dependente químico, é a segunda droga de experimentação, sendo a primeira o álcool; daí porque se diz que ambas são drogas de entrada para as demais.

Igualmente, é de se destacar o fato de que quanto mais uma droga for oficial ou oficiosamente liberada, maior será seu consumo e os problemas decorrentes dele.

Perguntados sobre por que experimentaram maconha, os jovens respondem que por curiosidade e pressão do grupo. Já com os não experimentadores a resposta é que não experimentaram porque é proibido e faz mal.

Tais fatos estão muito bem documentados por uma plêiade de trabalhos científicos de todos os quadrantes.

Em ciência, primeiro fazemos uma observação, depois usamos uma metodologia consistente para verificar se nossa observação procede; depois, ela é compartilhada por outros pesquisadores, até que se transforme num consenso.

Não é o caso desse trabalho, publicado há 11 anos pelo Dr. Dartiu Silveira, citado pelo jornalista Marcos Rolim.

Sua amostra foi pequena, seu tempo de seguimento insuficiente, e as demais variáveis não neutralizadas.

Tais imprevidências impossibilitaram que a comunidade científica compartilhasse das conclusões do autor e, decorridos todos esses anos, desconheço outro trabalho que tenha chegado aos mesmos resultados; e mais, tampouco tenho informação de que algum serviço de dependência química no mundo esteja se regendo por essa orientação terapêutica, de sugerir que uma porta de saída para o crack seja usar maconha.

Aliás, no passado, cometia-se a ingenuidade de se achar que cachimbo ajudaria o tabagista a parar de fumar ou que calmantes, tipo diazepínicos, ajudariam alguém a parar de beber.

Portanto, a título de resumo, o uso de maconha por jovens é deletério, sua liberação aumentará o consumo e os problemas dele decorrentes.

Em posse de tais informações, que a sociedade decida o que quer fazer. Até lá, o debate robusto e elegante ajudará; e que não se tome como atitude antiética lembrar fato verdadeiro e de conhecimento público.

* Psiquiatra e psicanalista, coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Os efeitos gerais do uso de cannabis

Os efeitos gerais do uso de cannabis sobre o humor e as relações específicas com os transtornos afetivos (transtorno bipolar e depressão) são importantes epidemiologicamente, fornecendo informações significativas para a organização de serviços de saúde mental e para a clínica cotidiana.

De forma geral, pode-se considerar duas importantes relações do uso de cannabis com o humor: 1) alterações do seu estado basal, no caso de usuários sem um quadro psiquiátrico estabelecido e 2) desencadeamento ou intensificação de sintomas de alterações psiquiátricas específicas.

Os artigos selecionados para presente revisão foram identificados por meio de busca eletrônica no banco de dados PubMed, identificando-se os estudos e revisões da literatura sobre cannabis e humor. Capítulos de livros e as listas de referências dos artigos selecionados também foram revisados

Alterações do estado basal do humor

O efeito euforizante da cannabis provavelmente é o fator mais importante relacionado com a sua ampla difusão e uso. Usuários relatam frequentemente que essa sensação de euforia, relaxamento e despreocupação ("o barato") é a razão do uso da substância. Pequenas doses, quando usadas em grupo, com muita frequência induzem a um comportamento loquaz, risonho e alegre, muito semelhante àquele observado quando o álcool é utilizado "socialmente". Com o uso continuado, pode ocorrer tolerância a esse efeito, contribuindo para que alguns usuários passem a utilizar doses cada vez maiores e com mais frequência, desenvolvendo quadros de abuso e dependência1-4.

Por outro lado, uma parcela significativa dos usuários, principalmente os iniciantes, relata reações disfóricas durante a intoxicação aguda, as quais podem incluir ansiedade importante (incluindo ataques de pânico com medo de morrer e de perder o controle), sensações corporais desagradáveis, inquietação, despersonalização, desrealização e ideias paranoides. Pode ocorrer alternância entre sensações de euforia e disforia no mesmo indivíduo. Essa variabilidade de efeitos relatados provavelmente está relacionada com características específicas da substância (dose, modo de administração), do contexto em que é usada (em grupo ou sozinho, local de uso etc.) e do próprio usuário (características de personalidade, expectativas referentes ao uso)1,2,4.

Alterações psicológicas e comportamentais podem ser mantidas além da duração dos efeitos da intoxicação aguda por cannabis, incluindo sintomas afetivos como humor expansivo/eufórico e aumento de autoestima/grandiosidade, além de sintomas psicóticos (delírios e alucinações), despersonalização e desrealização, os quais geralmente se resolvem em poucos dias. Esses quadros são normalmente relacionados ao uso de grandes quantidades da substância e podem estar se tornando mais comuns com o surgimento de preparações cada vez mais potentes1-3,5,6.

A parada do uso crônico e intenso da substância pode levar ao aparecimento de sintomas como afeto disfórico (ansiedade, irritabilidade, tristeza), variações bruscas de humor, junto com outros sintomas psicológicos, comportamentais e somáticos. Até pouco tempo, persistia a controvérsia se estes sintomas constituem uma verdadeira síndrome de abstinência; porém, estudos recentes sugerem fortemente a existência desta7.

Uso de cannabis e transtornos afetivos

Diversos estudos têm encontrado uma associação importante entre o uso de cannabis e os quadros afetivos (transtorno afetivo bipolar, TAB, e depressão) nos serviços especializados de saúde mental, na assistência primária à saúde e na população como um todo. Inicialmente, discutiremos a relação entre o uso de cannabis e o transtorno bipolar e, depois, entre uso de cannabis e depressão, destacando os aspectos epidemiológicos e clínicos, os modelos etiológicos dessas comorbidades e as implicações quanto ao tratamento.

Uso de cannabis e TAB

1. Aspectos epidemiológicos e clínicos

O TAB apresenta a maior comorbidade com o abuso de substâncias entre todas as patologias do eixo I, sendo a cannabis a droga de escolha em cerca de 20% dos bipolares, índice que sobe quando se considera que dois terços deles já fizeram uso desta substância em algum momento de suas vidas8,9. Além disto, muitos estudos9-14 têm demonstrado que a comorbidade entre TAB e abuso/dependência à cannabis (A/DC) vai além do que seria esperado pelo acaso.

A associação destas duas patologias (TAB e A/DC) em um mesmo indivíduo pode ter um grande impacto na vida deste, como o observado em vários estudos. Sonne et al. e Feinman & Dunner encontraram que o aparecimento precoce do TAB aumentaria a probabilidade de um uso posterior de drogas (principalmente álcool e maconha)15,16. No entanto, Strakowski et al. consideraram que, independentemente do que ocorre primeiro, a comorbidade entre cannabis e TAB piorava o prognóstico de pacientes bipolares, quando comparados aos mesmos, porém sem uso de cannabis17. Em outro estudo, Henquet et al. acompanharam 4.815 sujeitos por um período de três anos, no qual foi verificado que o uso de cannabis no início do estudo aumentava significativamente o risco de aparecimento de sintomas maníacos durante o período de seguimento18. Os dados foram corrigidos para idade, sexo, nível educacional, etnia, estado civil, neuroticismo, sintomas depressivos e maníacos no período "baseline". Esta associação foi ainda independente da prevalência e incidência de sintomas psicóticos. Neste estudo não foi observado o inverso, ou seja, a presença de sintomas maníacos no baseline não aumentou o risco de uso da maconha no período de seguimento.

De um modo geral, parece que o uso de substâncias psicoativas em bipolares pode estar associado a uma série de características negativas, como dificuldade na recuperação dos sintomas afetivos, maior número de internações, piora na adesão ao tratamento, risco aumentado de suicídio, agressividade e a uma pobre resposta ao lítio13,19-23. No estudo de van Rossum et al., no qual mais de três mil sujeitos foram acompanhados por um período de um ano, os prejuízos clínicos foram bem mais evidentes do que os prejuízos sociais20. Além disso, os bipolares que fizeram uso de cannabis tiveram maiores índices de uso de outras substâncias ilícitas. Assim, apesar do claro prejuízo em diversos aspectos clínicos que o uso da cannabis provoca em pacientes bipolares, a relativa preservação de alguns aspectos do funcionamento social pode desencorajar a busca por tratamento de modo precoce e, assim, piorar o seu prognóstico.

Outra questão importante nesta comorbidade é saber se o uso de cannabis aumenta o número de recaídas nestes pacientes. Strakowski et al. realizaram estudo prospectivo com um ano de seguimento e observaram que o uso da cannabis não está tão diretamente relacionado a recaídas (21% continuaram o uso de cannabis e não recaíram neste período), como ocorre com o uso do álcool24. Este mesmo autor e seus colaboradores também encontraram uma associação entre uso de cannabis e mania, enquanto que a depressão foi associada ao uso de álcool13. No estudo de Feinman e Dunner, observou-se que os bipolares com co-ocorrência de problemas relacionados a álcool e drogas apresentavam mais ciclagem do que os bipolares "puros", talvez pela ação das drogas aumentando a labilidade do humor nestes pacientes ou pelo fato de que indivíduos com ciclagem rápida apresentam maior propensão ao uso de álcool e maconha16.

Modelos etiológicos para a associação entre uso de cannabis e TAB

Alguns autores têm considerado o TAB como um transtorno com mais características biológicas quando comparado aos quadros depressivos e ansiosos25, facilitando, em parte, a investigação de teorias que possam explicar a co-ocorrência entre TAB e problemas relacionados a drogas. Os principais modelos para as possíveis explicações para a alta comorbidade entre estas duas patologias são: 1) fatores comuns; 2) uso secundário de substâncias; 3) desordens psiquiátricas secundárias; e, finalmente, 4) modelos bidirecionais.

No primeiro modelo haveria, por exemplo, uma vulnerabilidade genética ou presença de traços antissociais que seriam compartilhados tanto pelo TAB quanto pela dependência a drogas. No segundo modelo, o próprio TAB aumentaria a chance da ocorrência de uso de drogas. O terceiro modelo seria o oposto do segundo, ou seja, o uso de drogas levaria ao aparecimento de TAB em indivíduos não suscetíveis. No quarto e último modelo, tanto o TAB quanto o uso de drogas aumentaria a chance de ocorrência do outro transtorno. A seguir, serão apresentadas discussões relativas a cada um destes modelos.

1. Fatores comuns

Dentre os possíveis fatores comuns do TAB e do A/DC, merecem atenção os fatores genéticos, o transtorno de hiperatividade e déficit de atenção (TDAH), além traços de personalidade impulsiva e patologias específicas do eixo II.

Estudos em famílias de indivíduos bipolares, dependentes químicos e estudos com gêmeos mostram que fatores genéticos podem contribuir para o desenvolvimento de TAB e de A/DC. A questão é se a vulnerabilidade genética para um transtorno poderia facilitar o aparecimento do outro25,26.

Um dos fatores comuns a estes dois transtornos pode ser o transtorno de personalidade antissocial (TPAS). Estudos têm demonstrado que o TPAS e os transtornos de conduta na criança são fortemente associados ao uso de drogas na idade adulta e doenças psiquiátricas do eixo I10,27,28. Um fato que precisa ser considerado em futuros estudos refere-se à possibilidade de que o uso de drogas possa causar ou ser acompanhado de comportamentos antissociais, levando a um diagnóstico errôneo de TPAS25.

Outra característica comum que pode estar envolvida na comorbidade TAB e A/DC é a impulsividade enquanto traço do indivíduo. Neste sentido, há estudos que demonstram níveis aumentados de impulsividade basal (fora dos episódios de uso de substância e entre os episódios de mania), sendo que nos indivíduos comórbidos estes níveis são ainda maiores29,30. Distúrbios como o transtorno de personalidade borderline e o TDAH, que apresentam a impulsividade como uma de suas características, também são comuns tanto no TAB quanto nos indivíduos com problemas de A/DC31,32.

2. Uso secundário de substâncias

Neste modelo, o estímulo para o uso de cannabis seria reforçado pela presença de um quadro bipolar prévio. No estudo de 20 anos de seguimento, de Merikangas et al., a presença de sintomas maniatiformes (abaixo da linha de corte para o transtorno bipolar) foi associado a um aumento no risco de desenvolvimento de abuso e dependência ao álcool, aos benzodiazepínicos e à cannabis33. Neste mesmo sentido, talvez o uso da cannabis possa ocorrer em decorrência de um pródromo do TAB, no qual a presença de oscilações bruscas do humor, impulsividade e julgamento crítico da realidade prejudicado predisporiam ao uso da cannabis13,34.

Outra possibilidade para o aumento da comorbidade entre o TAB e o A/DC poderia ser decorrente de uma hipersensibilidade a substâncias ilícitas. A hipótese segue o modelo proposto para a esquizofrenia e, embora não possa se estender diretamente ao transtorno bipolar, o mesmo raciocínio pode ser válido. De acordo com este modelo, indivíduos com vulnerabilidade psicobiológica, determinada pela combinação de fatores genéticos e eventos ambientais precoces (período perinatal), reagem negativamente com estressores ambientais e desenvolvem o transtorno psiquiátrico, esquizofrenia ou TAB. Nesta situação, as medicações psicotrópicas diminuiriam a vulnerabilidade, enquanto que as drogas poderiam aumentar esta vulnerabilidade25.

No modelo da automedicação, os pacientes procurariam a droga numa tentativa de alívio de vários sintomas do TAB, como por exemplo, a disforia25,35. Esta pode ser entendida como um dos sintomas-chave para o uso secundário de drogas, incluindo a cannabis. Sabe-se que pessoas bipolares são propensas a frequentes episódios de disforia, assim sendo, é sensato imaginar que esta sensação de mal-estar leve o indivíduo a procurar substâncias psicoativas. Em um primeiro momento, haveria alívio dos sintomas, até a instalação da adição a drogas, que então passaria a piorar o estado mental do paciente. Muitos estudos suportam a hipótese de que bipolares apresentam altos índices de disforia25, embora outros mostrem o contrário36,37.

Propõe-se também um modelo no qual múltiplos fatores de risco frequentemente ocasionados pelo transtorno mental - como isolamento social, pouca habilidade interpessoal, dificuldades cognitivas e/ou escolares, pobreza, falta de estrutura nas atividades diárias, associação com "turmas desviantes" - poderia levar ao uso secundário de drogas em pacientes bipolares. Esta ideia é reforçada pela observação de que alguns pacientes poderiam ter a sensação de uma melhora no convívio social ao fazerem uso de maconha20,25.

Como os estudos que investigam diretamente esta condição são escassos, não se pode confirmar esta teoria. Além disso, alguns autores13 relatam que, na maioria dos casos, o uso de drogas precede o aparecimento do TAB, evidência contrária à hipótese de A/DC secundária ao TAB.

3. Desordens psiquiátricas secundárias

Baseando-se na hipótese das catecolaminas do transtorno bipolar, pode-se supor que drogas que tenham ação em neurotransmissores são potencialmente relacionadas ao TAB25. Evidências como as mostradas por D'Souza et al.38 e Murray et al.39, de que o tetraidrocanabinol (THC) aumenta a atividade dopaminérgica mesolímbica e também os níveis glutamatérgicos no córtex pré-frontal podem estar relacionadas ao desenvolvimento de sintomas maniatiformes, uma vez que estas mesmas alterações são observadas na mania40-43.

Modelos animais ("kindling" e sensibilização comportamental)44 têm demonstrado ação sensibilizadora das drogas psicomiméticas sobre respostas eletrofisiológicas e comportamentais. Estes modelos podem estar associados ao mecanismo pelo qual as drogas de abuso precipitam o aparecimento de um quadro de esquizofrenia ou TAB45,46.

Os principais estudos nesta área não apresentam resultados unânimes, porém, a maioria deles tem indicado que o uso em idade precoce e regular de cannabis está associado a um risco aumentado de aparecimento de ideação/tentativa de suicídio, de sintomas maníacos ou até mesmo de um quadro afetivo18,36,47. No trabalho de Laar et al., o risco de desenvolvimento de TAB foi bastante expressivo, com aumento no risco de até cinco vezes mais chances de desenvolvimento de TAB em usuários regulares de maconha48.

4. Modelos bidirecionais

Os modelos bidirecionais sugerem interações dos efeitos do TAB e do uso de drogas contribuindo para o aumento da comorbidade. Por exemplo, o uso de drogas poderia desencadear o aparecimento do TAB em indivíduos com predisposição genética. O TAB seria subsequentemente mantido pelo uso contínuo da droga por questões culturais. Este modelo carece de evidências sólidas e de um número maior de estudos que possam testá-lo. Por hora, ele permanece no campo das hipóteses25.

Tratamento na comorbidade uso/abuso/dependência de cannabis e TAB

Há poucos estudos na literatura que delineiam as bases do tratamento de pacientes com comorbidade entre TAB e A/DC. Porém, independentemente da escolha medicamentosa, o suporte psicoterápico tanto para o paciente quanto para seus familiares é de suma importância. Neste sentido, destacam-se três tipos de terapias, que têm sido mais bem avaliadas neste grupo de pacientes: abordagens baseadas em entrevista motivacional, em terapias cognitivo-comportamentais e terapias comportamentais baseadas em manejo de contingências (fornecimento de incentivos para pacientes que realizam determinados comportamentos, como abstinência, por exemplo)49. O trabalho conjunto com grupos de autoajuda e outras fontes de apoio na comunidade para o paciente é frequentemente possível e desejável, melhorando os resultados do tratamento50. O foco principal deve ser o controle (abstinência total, se possível) do uso de drogas e a estabilização do humor. Sabe-se que a interrupção do uso de drogas já pode, por si só, melhorar o quadro afetivo do paciente51,52.

O divalproato sódico e a carbamazepina são medicações com resultados satisfatórios em pacientes com TAB e abuso de substâncias, porém são medicações com risco de dano hepático; assim, devem ser usadas com cautela e com avaliação clínica rigorosa, pois pacientes com esta comorbidade apresentam, com frequência, hepatite viral ou alcoólica52.

O lítio apresenta bons resultados em alguns estudos, mas não em outros. Seu uso necessita de controle laboratorial rigoroso e apresenta risco significativo de intoxicação e/ou interações clinicamente significativas com outras substâncias52. Além disso, Weiss et al. relataram maior adesão com o valproato quando comparado ao lítio em bipolares com A/DC53.

O uso de antipsicóticos típicos pode estar relacionado a um aumento da procura por drogas ilícitas nestes pacientes. Entretanto, há relatos de que o uso da clozapina, um antipsicótico atípico, está associado a reduções no consumo de substâncias psicoativas22. A quetiapina, outro medicamento atípico, mostrou-se eficaz na redução média do consumo de maconha de 35g por semana para apenas 1g/semana em oito pacientes estudados por Potvin et al.54.

Importante observação foi relatada no estudo de Strakowski et al., que após um período de internação por um quadro de mania, há uma janela na qual estes pacientes permanecem em abstinência à maconha, e sugerem, desta forma, intervenções incisivas e precoces neste período a fim de manter estes pacientes em abstinência à droga, o que se torna um desafio, visto que a maioria dos serviços públicos não têm por hábito agendar retornos precoces a pacientes egressos de internações integrais17.

Possíveis efeitos benéficos da cannabis sobre o TAB

Discute-se a possibilidade de que as propriedades neurofarmacológicas dos canabinoides poderiam ajudar no tratamento de sintomas depressivos e/ou maníacos. Os canabinoides encontrados na planta da maconha poderiam exercer este efeito terapêutico por meio de suas ações anticonvulsivantes (possível ação estabilizadora) e protetoras contra a neurotoxicidade glutamatérgica8,35,55. Alguns poucos relatos de caso favorecem esta ideia, como as descrições de Grinspoon e Bakalar, que citaram cinco pacientes que apresentavam melhora dos sintomas maníacos quando faziam uso de maconha, inclusive com descrições de que ainda que o lítio pudesse também equilibrar o paciente, este não proporcionava a sensação de bem-estar que a cannabis causava55.

Gruber et al., por sua vez, relataram cinco casos de alívio de sintomas depressivos após o uso de cannabis, com eficácia superior ao uso de antidepressivos convencionais56. Estes possíveis efeitos terapêuticos são justificados pela literatura como decorrentes de certas propriedades farmacológicas tanto do THC quanto do canabidiol (CBD) - entre elas, pode-se citar a ação anticonvulsivante, ansiolítica e antipsicótica do CBD e o efeito antidepressivo do THC35,56-59.

Desta forma, a combinação de vários efeitos produzidos pelo THC (ação ansiolítica e antidepressiva) e pelo CBD (ação antipsicótica, anticonvulsivante e neuroprotetora) poderia apresentar ação terapêutica em pacientes bipolares60,61. No entanto, evidências iniciais do uso do CBD em modelos animais e no tratamento de episódio maníaco não confirmaram o efeito terapêutico desse canabinoide62,63. Assim, há que se ter em mente que estas "possíveis" ações terapêuticas proporcionadas pela maconha necessitam de comprovação sistemática e como os estudos até o momento mostram mais riscos da associação da cannabis no TAB do que benefícios, conclui-se que o uso da cannabis como adjuvante no tratamento do TAB deve ser restrito aos ambientes de pesquisa, exclusivamente17.

Uso de cannabis e depressão

1. Aspectos epidemiológicos e clínicos

Há décadas existem relatos de casos de desenvolvimento de sintomas depressivos relacionados ao uso de cannabis. No entanto, como já citado anteriormente, também foram descritos casos nos quais ocorreu o desenvolvimento de sintomas maníacos após o uso e também da cannabis sendo usada como antidepressivo ou estabilizador do humor36,56-58.

Estudos sobre as relações entre uso de cannabis e depressão em populações realizando tratamento psiquiátrico sugerem que a presença de abuso/dependência está relacionada com um maior número de episódios depressivos ao longo da vida e que o tratamento da dependência comórbida com depressão maior está associado a um pior resultado no sexo masculino36,64.

Estudos de prevalência realizados com amostras não representativas da população em geral (entre adolescentes, jovens adultos, universitários e pacientes de serviços de cuidados primários) encontraram resultados conflitantes entre si, difíceis de interpretar em conjunto pelas diferentes metodologias e definições usadas (p.ex. quanto ao que é considerado usuário pesado ou ocasional), além de envolverem amostras pequenas que frequentemente não eram representativas da população específica estudada36.

Desde a publicação dos resultados do Epidemiologic Catchment Área (ECA)9, vêm sendo descritos estudos envolvendo amostras representativas da população em geral, alguns dos quais avaliaram as associações transversais entre o uso de cannabis e depressão.

Alguns desses estudos descreveram a incidência de depressão maior ou transtornos afetivos em usuários de cannabis comparada com a incidência nos adultos em geral ou em adolescentes e adultos jovens. Dois estudos norte-americanos abordaram a questão: um deles encontrou, na população adulta, um risco 6,4 vezes maior de apresentar depressão entre aquelas pessoas que sofriam de abuso ou dependência de cannabis65 e o outro estudo encontrou um risco 3,4 vezes maior66. Na Austrália, encontrou-se que os usuários de cannabis apresentavam um risco maior que a população em geral de apresentarem transtornos afetivos, com a prevalência desses transtornos chegando a 14% entre os dependentes de cannabis em comparação com os não usuários67.

Outros estudos em amostras representativas de adolescentes e jovens adultos também encontraram resultados semelhantes. Um trabalho australiano encontrou entre os adolescentes que já tinham usado cannabis uma chance três vezes maior de desenvolver depressão em comparação com aqueles que nunca haviam usado68; um estudo neozelandês encontrou um risco progressivamente aumentado de depressão conforme o aumento da frequência do uso de cannabis69.

Quanto à incidência de uso frequente de cannabis ou A/DC entre os indivíduos deprimidos, um dos estudos norte-americanos já citados encontrou que a chance de um adulto apresentar dependência de cannabis era 2,4 vezes maior entre aqueles que apresentaram depressão maior em relação à população em geral66. Um estudo europeu encontrou um risco 2,3 vezes maior de uso semanal de maconha entre adultos jovens com depressão em comparação com aqueles não deprimidos70.

Modelos etiológicos para a associação entre uso de cannabis e depressão

A associação entre uso de cannabis e depressão, como no caso da associação com transtorno bipolar, também pode ser explicada por basicamente quatro modelos: 1) existem fatores comuns que causam tanto depressão como uso de cannabis; 2) depressão é causa do uso de cannabis; 3) o uso de cannabis é causa de depressão; e 4) modelos bidirecionais. Provavelmente, a melhor maneira de avaliar essas possibilidades é por meio de estudos longitudinais3,36,71-73.

Assim, estudos longitudinais que avaliaram se a presença de depressão na adolescência estava relacionada com um risco aumentado de usar de cannabis posteriormente não encontraram associações significativas36,47,74,75.

Uma revisão sistemática76 publicada em 2007 avaliou 10 estudos que examinaram a relação entre o uso de cannabis na adolescência e/ou início da vida adulta e o diagnóstico de depressão posteriormente (feito por meio de entrevistas estruturadas ou com o uso de questionários validados). Cinco desses estudos47,69,77-79 encontraram associações significativas mesmo após ajustamento estatístico considerando outras variáveis. Os outros estudos encontraram associações não significativas ou não encontraram associação de todo74,80-83. No conjunto de estudos (cinco no total) que avaliaram a exposição à cannabis por meio de medidas de frequência - o qual foi considerado adequado para metanálise pelos autores -, quatro descreveram uma associação tipo dose-resposta entre frequência de uso de cannabis e risco de desenvolver depressão; encontrou-se um risco relativo de 1,4976. Os autores optaram por não realizar uma metanálise dos 10 estudos devido à heterogeneidade das medidas de exposição à cannabis (que incluíam qualquer uso, frequência de uso e abuso e dependência)76.

Em outros três estudos - publicados posteriormente à confecção desta metanálise - foram descritos tanto resultados apontando para não associação entre uso de cannabis e depressão84,85 como para associação significativa48.

Então, podemos considerar que - tanto pelo conjunto dos resultados como pela qualidade metodológica insatisfatória de vários estudos - não está definido claramente se o uso de cannabis implica em risco aumentado de depressão.

Caso esse risco aumentado realmente ocorra, as razões para isso podem estar relacionadas com vários fatores. Não parece que ações da cannabis em sistemas neurotransmissores estejam relacionadas com a facilitação da instalação de quadros depressivos. Provavelmente, os efeitos do uso de cannabis relacionados com o aumento do risco de depressão são mediados socialmente, pois existem evidências de que o uso regular e/ou precoce dessa substância possa facilitar situações como desemprego, dificuldade de acesso à educação e envolvimento em crimes. Finalmente, ainda não é possível descartar completamente que fatores comuns relacionados à família e/ou ao meio social possam ser a causa da associação36.

Para esclarecer essas questões são necessários mais estudos longitudinais populacionais e entre gêmeos discordantes para uso e/ou abuso e/ou dependência de cannabis e depressão36,74.

Tratamento da comorbidade uso/abuso/dependência de cannabis e depressão

Como já referido quanto ao TAB, existem poucos estudos abordando especificamente o tratamento da comorbidade depressão e uso/abuso/dependência de substâncias psicoativas.

As terapias baseadas em entrevista motivacional, cognitivo-comportamentais e de manejo de contingências também são úteis para tratar essa comorbidade49. A entrevista motivacional especialmente tem demonstrado bons resultados no tratamento da dependência de cannabis em estudo multicêntrico86. Quanto ao tratamento medicamentoso, apenas um estudo randomizado duplo-cego pesquisando a resposta a inibidores seletivos da recaptação de serotonina incluiu adolescentes com abuso e dependência de cannabis, encontrando que essas medicações são eficazes para tratar depressão nesta população. Um achado interessante do mesmo estudo foi o alto índice de resposta ao tratamento de depressão com terapia cognitivo-comportamental associada a placebo, mostrando novamente a importância das terapias não farmacológicas87.

Conclusão

Assim como para psicose88 e ansiedade89, esta revisão reforça a necessidade de investigação cuidadosa de presença concomitante de uso de maconha em pacientes com transtorno bipolar e depressão, bem como a possível presença de transtornos afetivos em indivíduos diagnosticados como usuários dessa substância. Isto pode proporcionar uma abordagem mais adequada, com chances de melhor prognóstico. O tratamento deve abranger as duas condições e as outras necessidades individuais de cada paciente.

Revista Brasileira de Psiquiatria version ISSN 1516-4446 Rev. Bras. Psiquiatr. vol.32 no.2 São Paulo June 2010 doi: 10.1590/S1516-44462010000200014

sábado, 31 de julho de 2010

Maconha Medicinal

Ruy Castro
Folha de São Paulo - RIO DE JANEIRO -
A Secretaria Nacional Antidrogas, órgão do governo federal, quer criar uma agência para pesquisar os "efeitos medicinais" da maconha. Se trabalhar direito, será uma decepção para os usuários da erva: a maconha "medicinal" não viria para ser fumada -mesmo porque esta tem todos os males do tabaco e mais alguns.
A lista de mazelas provocadas pela maconha fumada, estabelecida por médicos da Universidade de Oxford e citada na Folha ("Tendências/Debates", 22/10) pelos doutores Ronaldo Laranjeira e Ana Cecília Marques, inclui dependência química, bronquite crônica, insuficiência respiratória, risco de doenças cardiovasculares, câncer no sistema respiratório, diminuição da memória, ansiedade, depressão, episódios psicóticos, leseira, apatia e baixa do rendimento escolar ou profissional.
(foto - Folha de São Paulo)

Donde, se provadas as qualidades terapêuticas da maconha-embora ninguém tenha conseguido até hoje descobrir sua superioridade em relação às substâncias tradicionais-, seu uso deveria se dar em forma de gotas, pomada, supositório ou o que for, e não enrolada, queimada e tragada. Sem contar que, depois de amplamente vitoriosa em banir o fumacê, a sociedade não poderia aprovar a volta ao espaço público de gente soprando fumaça sobre inocentes e passivos circunstantes.
A secretaria faria melhor se concentrasse seus esforços numa guerra que o Brasil se arrisca a perder: contra o crack, a pior droga já inventada. E a mais covarde.
Os traficantes, mais práticos e profissionais, e beneficiando-se da tolerância com que o Brasil encara a maconha, puseram no mercado a craconha -a maconha enriquecida com fragmentos de pedras de crack. Fulaninho, 15 anos, pega um baseado com seu fornecedor e, sem saber que ele veio premiado, fuma o crack. Com algumas tragadas, estará dependente. E no grau inferno.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Religião, família e informação podem afastar jovens das drogas, diz pesquisa.

Religião, família e informação podem afastar jovens das drogas, diz pesquisa.

Praticar uma religião, manter diálogo com a família e ter acesso a informações são atividades que podem afastar os jovens das drogas, segundo uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), divulgada nessa segunda-feira (12/7). O objetivo do estudo era analisar quais ações podem prevenir o uso de drogas entre adolescentes de baixo poder aquisitivo.

Para isso, 62 jovens, usuários ou não, foram submetidos a uma entrevista para listar as estratégias que eles consideram mais eficientes.

A religião foi a mais citada. Ao todo, 81% dos não-usuários praticavam alguma religião, contra 13% dos usuários. Manter laços familiares sólidos, mesmo que só com a mãe, e ter acesso a informações sobre os riscos da dependência foram fatores citados em seguida.

Nota: Apesar de tantas críticas dos céticos, a religião figura entre os motivos de afastamento das drogas.

A prática religiosa e a participação em comunidades religiosas pode ajudar, conforme verificou o estudo. É óbvio que isso não significa a impossibilidade de teremos jovens drogados, mas é uma comprovação da importância.

A religiosidade, para muitos entrevistados, adquire relevância na sua luta contra a dependência porque os motiva à crença em um ser superior que procura o seu bem-estar.

Outro aspecto enfocado é o da religião em família, ou seja, hábitos e conceitos religiosos que são transmitidos de pais para filhos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Risco de AVC aumenta até duas horas após o consumo de álcool

Risco de AVC aumenta até duas horas após o consumo de álcool

RCM Pharma

Ao entrevistarem 390 vítimas de acidente vascular cerebral (AVC) isquémico três dias após o episódio clínico, os investigadores, liderados por Elizabeth Mostofsky, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, em Boston, EUA, verificaram que o consumo de álcool parecia ter um impacto imediato sobre o risco de sofrer um AVC.

Do total dos doentes, 14 tinham bebido pequenas quantidades de álcool menos de uma hora antes de sofrerem o AVC, avança o site Saúde na Internet. Os resultados também indicaram que quando se consome bebidas alcoólicas − seja vinho, cerveja ou licor, os riscos de sofrer um AVC são 2,3 vezes maiores na primeira hora, 1,6 vezes maiores na segunda hora e 30% menores após 24 horas do que os apresentados por indivíduos que não bebem.

Este padrão manteve-se igual independentemente do tipo de álcool consumido e de os pacientes terem ou não realizado exercício antes de sofrerem o AVC.
O padrão também não se alterou quando os investigadores excluíram o consumo de mais de duas bebidas alcoólicas.

Estes dados podem estar relacionados com os efeitos imediatos do consumo de álcool, que conduz a um aumento da pressão arterial e da agregação plaquetária, aumentando o risco de coagulação, sugerem os cientistas, em comunicado enviado à imprensa.

Apesar de o consumo de álcool a curto prazo estar relacionado com o risco de AVC, os investigadores notaram que, a longo prazo, a ingestão moderada de álcool poderá, na realidade, reduzir o risco de enfarte do miocárdio e de AVC. Isto deve-se ao facto de o consumo moderado e constante de álcool ajudar a uma maior flexibilidade dos vasos sanguíneos.

Benefícios econômicos do tratamento de dependência química para empregadores

Benefícios econômicos do tratamento de dependência química para empregadores.

Economic benefit of chemical dependency treatment to employers
Neil Jordan, (Ph.D.)a,b, Grant Grissom, (Ph.D.)c,4, Gregory Alonzo, (M.B.A.)c,
Laura Dietzen, (M.A.)c, Scott Sangsland, (M.A.)d
Journal of Substance Abuse Treatment 34 (2008) 311– 319

Nos últimos 20 anos, muitos estudos têm estabelecido os benefícios econômicos do tratamento da dependência química.
Uma das principais conclusões de uma recente revisão da literatura sobre custo eficácia e custo-benefício do tratamento da dependência química é que os benefícios econômicos de tratamento geralmente excedem o custo do mesmo. A redução de comportamento criminal e o aumento do emprego foram considerados condutores fundamentais dos benefícios econômicos do tratamento. A maioria destes estudos abordou tratamentos financiados e analisaram os benefícios do ponto de vista dos pacientes, programas de tratamento ou sociedade. Relativamente poucos estudos têm considerado os benefícios econômicos do tratamento do abuso de substância da perspectiva dos empregadores.
A perspectiva do empregador é importante porque um grande número de indivíduos com dependência têm empregos integrais ou de meio expediente e menos de 50% das pessoas com problemas com álcool ou outras drogas que necessitam de tratamento têm planos de saúde que cobrem a desintoxicação e tratamento ambulatorial, embora o grau de cobertura varie muito.

Existem vários resultados relacionados ao trabalho que devem ser considerados na avaliação dos benefícios econômicos do tratamento do abuso de substâncias para os empregadores. Estudos em geral concentraram-se em abstinência ou aumento de horas de trabalho. Um desses estudos argumentou que devido aos custos relacionados ao tratamento do abuso de substância taxas de abstinência não são suficientemente importantes para justificar o financiamento
do tratamento pelo empregador. Porém faltavam dados sobre os custos associados à diminuição do desempenho, atrasos ao trabalho, e perturbação de negócios.

Embora existam duas recentes publicações que analisam os benefícios econômicos para os empregadores abordando a melhoria da produtividade devido ao tratamento da depressão, verificou-se que não foram publicados estudos em relação ao abuso de substâncias que incluam medidas de abstinência, conflito com gerentes e colegas de trabalho, ou de produtividade.
Devido ao fato de que mais de 70% dos custos estimados do abuso de álcool de 1998 podem ser atribuídos à perda de produtividade, a compreensão dos efeitos do tratamento do abuso de substância no trabalho e na produtividade pode ser de significativa importância para os empregadores.

Os dados para este estudo são provenientes do programa do Kaiser Permanent's Addiction Medicine (KPAM), um centro de tratamento de abuso de substância coberto por plano de saúde privado com quatro locais de atendimentos participantes. Participaram do estudo 498 indivíduos que preencheram a avaliação antes, 30 e 60 dias depois do tratamento. O estudo foi realizado entre janeiro de 1999 e maio de 2005.

Os resultados relatados neste artigo indicam que os pacientes que estão envolvidos no tratamento de dependências há mais de 1 mês alcançaram uma acentuada redução de problemas relacionados ao trabalho.
Ganhos referentes a atraso e conflitos de trabalho são mantidos após 60 dias de tratamento, enquanto a abstinência e a produtividade continuam a aumentar. Pacientes que continuaram em tratamento após 2 meses experimentaram ganhos, que resultaram em um benefício econômico para os empregadores se a sua média de salário anual for maior que US$ 36.565.

O valor líquido da economia por conseqüência das melhorias para os seus patrões depende da taxa de utilização do tratamento e do nível salarial do empregado. Para uma taxa de utilização de 0,9% e um trabalhador com US$ 45000 de salário anual, o benefício líquido do tratamento foi de US$ 1.538.

Os ganhos relacionados ao tratamento para o empregador ocorreram nos 30-60 primeiros dias de tratamento. Pacientes que permaneceram em tratamento durante períodos mais longos relatam ganhos adicionais, porém diminuídos, principalmente nas áreas de abstinência e da produtividade no trabalho.
Porque não há custo adicional para os empregadores associados à utilização mais intensiva e durante mais tempo do tratamento, e porque ambos são associados a benefícios adicionais, o retorno do investimento para os empregadores aumenta juntamente com a utilização e a duração do tratamento.
É benefício para a entidade patronal encorajar a identificação precoce de problemas e a aderência ao tratamento da dependência evitando, assim, os custos associados ao comprometimento do funcionário devido ao uso de substancias e tendo o retorno do investimento reforçado.

Para as empresas com um salário médio anual menor que $ 36565, existe perda no retorno do investimento ao oferecer tratamento de dependência química, porém esse dado está relacionado apenas a avaliação das 5 dimensões avaliadas neste estudo (aumento da produtividade, abstinência, redução do atraso no trabalho, redução do conflito com gerentes, redução de conflitos com colegas de trabalho).

No entanto, pesquisas futuras podem demonstrar de forma positiva o retorno do investimento mesmo com níveis salariais mais baixos quando os benefícios indiretos, tais como despesas médicas fora do tratamento de dependência química e melhora no quadro psiquiátrico e no funcionamento familiar/social forem considerados.

Este último pode ajudar os empregados a evitar recaída e para manter os ganhos do desempenho laboral por mais de 12 meses, contribuindo para um retorno do investimento positivo. Estes achados podem permitir que gestores compreendam melhor o impacto do tratamento da dependência química na empresa.

Maconha, o dom de iludir

Maconha, o dom de iludir

RONALDO RAMOS LARANJEIRA e ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES
Folha de São Paulo

Que nem pesquisadores nem a população se iludam de que exista indicação terapêutica para utilizar maconha que já seja aprovada pela ciência Semanas atrás, a Folha noticiou a proposta de criar-se uma agência especial para pesquisar os supostos efeitos medicinais da maconha, patrocinada pela Secretaria Nacional Antidrogas do governo federal.
Esse debate nos dias atuais, tal qual ocorreu com o tabaco na década de 60, ilude sobretudo os adolescentes e aqueles que não seguem as evidências científicas sobre danos causados pela maconha no indivíduo e na sociedade.
Na revisão científica feita por Robim Room e colaboradores ("Cannabis Policy", Oxford University, 2010), fica claro que a maconha produz dependência, bronquite crônica, insuficiência respiratória, aumento do risco de doenças cardiovasculares, câncer no sistema respiratório, diminuição da memória, ansiedade e depressão, episódios psicóticos e, por fim, um comprometimento do rendimento acadêmico ou profissional.

Apesar disso, o senso comum é o de que a maconha é "droga leve, natural, que não f az mal".
Pesquisas de opinião no Brasil mostram que a maioria não quer legalizar a droga, mas grupos defensores da legalização fazem do eventual e ainda sem comprovação uso terapêutico de alguns dos componentes da maconha prova de que ela é uma droga segura e abusam de um discurso popular, mas ambivalente e perigoso.
O interesse recente da ciência sobre o uso da maconha para fins terapêuticos deveu-se à descoberta de que no cérebro há um sistema biológico chamado endocanabinoide, onde parte das substâncias presentes na maconha atua.Um dos medicamentos fruto dessa linha de pesquisa, o Rimonabant, já foi retirado do mercado, devido aos efeitos colaterais.
Até hoje há poucos estudos controlados, com amostras pequenas, e resultados que não superam o efeito das substâncias tradicionais, que não causam dependência.
Estados americanos aprovaram leis descriminalizando o uso pessoal de maconha, que é distribuída sem controle de dose e qual idade.Contradição enorme, pois os médicos são os "controladores do acesso" para uma substância ainda sem comprovação científica.
De outro lado, orientam os pacientes sobre os riscos do uso de tabaco.
Deve-se relembrar que os estudos versam sobre possíveis efeitos terapêuticos de uma ou outra substância encontrada na maconha, não sobre a maconha fumada.
Os pesquisadores brasileiros interessados no tema devem realizar mais estudos por meio das agências já existentes, principalmente diante do último relatório sobre o consumo de drogas ilícitas feito pelo Escritório para Drogas e Crime das Nações Unidas, que aponta o Brasil como o único país das Américas em que houve aumento de apreensões e consumo da maconha.
E se, no futuro, surgir alguma indicação para o uso medicinal da maconha, o processo de aprovação, que ainda não atingiu os padrões de excelência, deve contextualizar esse cenário, assim como o potencial da maconha de ca usar dependência.
Espera-se que a política nacional sobre drogas seja redirecionada em caráter de urgência, pois enfrenta-se também aqui o aumento das apreensões e consumo de cocaína e crack, que exige muitos esforços e recursos para sua solução.Que nem pesquisadores nem nossa população se iludam de que exista hoje uma indicação terapêutica para utilizar maconha aprovada pela ciência.

RONALDO RAMOS LARANJEIRA é professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (Inpad/CNPQ). ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES, doutora pela Unifesp, é pesquisadora do Inpad/CNPQ.

Maconha, feijoada e o debate sobre a legalização das drogas

Maconha, feijoada e o debate sobre a legalização das drogas

Por José Alexandre de Souza Crippa

A feijoada é um dos pratos mais típicos da cozinha brasileira sendo comumente feita da mistura de feijão preto e de vários tipos de carne de porco e de boi. Chega a mesa acompanhada de arroz, farofa, couve refogada e laranja fatiada, entre outros ingredientes. Nas receitas mais sofisticadas não possui mais do que 30 ingredientes, incluindo-se os acompanhamentos e temperos. Mesmo aquele que não é cozinheiro, chef ou especialista em gastronomia sabe distinguir o feijão – principal ingrediente do prato – da feijoada completa. Ou seja, é consenso que feijão não é feijoada.A maconha, nome popular da planta cannabis sativa, possui mais do que 400 componentes, sendo que vários destes são denominados ‘canabinóides’ (substâncias que atuam nos receptores com este mesmo nome).

Na primeira metade dos anos 60 foram determinadas as estruturas químicas dos principais canabinóides, incluindo o ∆9-tetrahidrocanabinol (∆9-THC), componente da droga responsável pelos efeitos psicoativos da planta. Atualmente são conhecidos cerca de 80 canabinóides, com outros efeitos, muitos deles com potencial terapêutico. Como exemplo, o canabidiol (CBD), um canabinóide que chega a constituir até 40% do extrato da maconha, apresenta vários efeitos opostos aos do ∆9-THC, tais como efeito ansiolítico e antipsicótico.

Ao contrário do ∆9-THC, o uso do CBD isoladamente não apresenta os efeitos típicos do uso da maconha, sendo que grupos brasileiros estão na vanguarda nas pesquisas sobre o potencial terapêutico desta substância. Atualmente estudos do CBD na doença de Parkinson, esquizofrenia, fobia social, estresse pós-traumático, tabagismo, epilepsia, depressão, entre outras condições estão sendo conduzidos no país. Pode-se assim dizer que os canabinóides são componentes da maconha, mas que ambos não são sinônimos. Ou seja, canabinóide não é maconha.

No começo do século passado, quando os princípios ativos da droga não haviam sido isolados, estratos de maconha foram comercializados por grandes laboratórios farmacêuticos para diversas indicações. Entretanto, as evidências disponíveis não justificam que fumar maconha possa servir para fins terapêuticos. Os estratos de maconha apresentam ampla variabilidade em sua composição, estabilidade e potência. Assim, seguindo os mesmos princípios da evolução da farmacoterapia, tem-se buscado o desenvolvimento de compostos canabinóides mais puros que permitam a dosagem mais precisa e aí reduzindo o risco de significativos efeitos colaterais indesejáveis.

A maconha é a droga ilícita mais utilizada na maioria dos países, sendo que dependendo da dose, o seu uso pode levar alguns indivíduos a desenvolverem sintomas psiquiátricos e alterações cognitivas transitórias. Embora controverso, o uso recreativo crônico da maconha, dependendo da dose, freqüência e precocidade do início, pode induzir alterações cognitivas duradouras e facilitar quadros psiquiátricos em usuários vulneráveis. Estudos longitudinais prospectivos realizados na Suécia, Inglaterra e Nova Zelândia sugerem uma associação entre o uso crônico de maconha e maior risco para o desenvolvimento de esquizofrenia. Hoje a síndrome de abstinência da maconha é uma condição reconhecida e sabe-se que alguns usuários podem vir a desenvolver dependência. As intervenções terapêuticas para esta condição – farmacológicas e não-farmacológicas – atualmente disponíveis demonstraram eficácia apenas modesta. Modernos estudos de imagem cerebral apontam para alterações no funcionamento cerebral com o uso crônico e recorrente da droga. Igualmente, complicações clínicas como câncer, problemas respiratórios, imunológicos entre outras também foram associados ao uso da maconha inalada.
Dessa forma, a afirmação de que atualmente existe conhecimento científico suficiente para a liberalização do uso medicinal ou recreativo da maconha no Brasil não é de fato verdadeira. Além disso, confunde e desinforma, pois considera a maconha e os canabinóides como equivalentes.
Todo debate científico a respeito da legalização da maconha, deveria necessariamente estar respaldado em dados empíricos baseado em experimentos clínicos e em estudos epidemiológicos. Quando a questão é abordada de forma politizada, com viés ideológico, ou pior ainda, levando-se fatos particulares de foro individual ou da lei para o debate científico, é no mínimo desnecessária e gera ainda mais confusão.

Os canabinóides e os medicamentos que atuem no sistema canabinóide cerebral têm mostrado possuir fantástico potencial e acredita-se que poderão beneficiar milhões de pessoas no mundo todo. O melhor entendimento dos mecanismos de ação dessas substâncias com a conseqüente legalização dos canabinóides poderá ser uma espetacular conquista científica, levando a significativa redução de sofrimento e melhor qualidade de vida a portadores de diversas doenças e transtornos. Por outro lado, o debate da legalização da maconha para fins recreativos só deveria ocorrer após a sociedade e a comunidade cientistas estar bem esclarecida das potenciais complicações da droga ou de sua eventual ausência de riscos. Porém, para isto é fundamental separar o joio do trigo; o feijão da feijoada ou – no caso – os canabinóides da maconha.

José Alexandre de Souza Crippa
Professor Doutor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Quando os pais não educam a mídia educa

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Jornal da Manhã - Articulistas
Diógenes Pereira da Silva
Quando não se educa adequadamente os filhos, a mídia assume esse papel, porém na visão da extremidade oposta da educação salutar. A visão periférica das crianças e adolescentes é exacerbada e suas propriedades de perceber o que está ou não fora do foco principal de aparição são simplesmente espetaculares.
No tangencial espectro, os jovens de hoje, futuros homens do amanhã, mormente já têm discernimento, portanto, são formadores de opiniões e podem condicionar as suas fantasias às situações prazerosas associadas às grandes propagandas midiácas. Este conceito é apropriado às propaganda da cerveja, onde só são evidenciadas ocasiões de prazeres, mas que, no entanto, jamais mostra a posição destrutiva alcançada pela sua corroboração no que tange o ranque mundial das mortes por ela provocada. Ocorre que, nem todos os organismos reagem da mesma forma sob o efeito do álcool, aí reside o culminante perigo, alguns têm o poder de dominar o hábito de beber outros não, que na grande maioria não sabem o momento exato de parar a ingestão, que pode até levar a óbito. Nesse contexto, como fica a proibição de bebidas alcoólicas para menores de idade?

Crianças e adolescentes passam em média 02 (duas) horas diárias em frente à TV, e geralmente, têm uma memória fotográfica espetacular, mesmo sem saber pronunciar o nome correto dos produtos, encontram uma forma de identificá-los aos pais, sejam tênis, celulares ou outro produto qualquer, essa é a visão ostentada pelo Marketing das empresas contemporâneas que enxergam um futuro promissor, com vistas genuinamente em cenários prospectivos. O que dizer das propagandas das bebidas alcoólicas que fomentam o mercado de drogas lícitas destruidoras de milhares de vidas de crianças e adolescentes? Senão vejamos: “o Congresso americano autorizou dotação milionária para a condução de estudo pela National Academy of Sciences (NAS) - Academia Nacional de Ciências - sobre a ingestão de bebidas alcoólicas por menores de idade”. Outros estudos e pesquisas americanas evidenciam que o álcool mata 6,5 vezes mais adolescente do que todas as outras drogas ilícitas juntas. E no Brasil quantos são? Na própria pesquisa realizada pelo aludido comitê abrangido pela National Academy of Sciences (NAS) por profissionais altamente qualificados nos EUA, provaram que os jovens americanos consomem anualmente mais de um bilhão de latinhas e garrafas do produto (cerveja), pesquisa sustentada pelo grupo de estudos do Departamento de Saúde dos Estados Unidos. E no Brasil, quais os dados estatísticos?

Embora exista o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em plena vigência e suas proibições midiácas, e ainda, alguns projetos dos Estados e União em combativa a esses males, alguns desenvolvidos pela PMMG como: PROED e JCC e tantos outros, a contraposição negativa da mídia (propagandas de cervejas) a esses projetos, abrange alcance 1000% há mais da ostentação dos malefícios do álcool apontados e combatidos pelo poder Estatal. E os pais ausentes, que precisam trabalhar para o sustento da família, que são obrigados muitas vezes a deixar os filhos a mercê das propagandas, que chances eles têm contra a potência midiáca? Existem sim os efeitos positivos dos projetos e são espetaculosos, além de mostrar a realidade vivida, mas qual a sua eficácia em contrapartida da mídia? Alcoolismo é uma questão de Saúde Pública, onde deve haver o comprometimento de todas as autoridades e órgãos estatais. Se existe uma campanha nacional contra as drogas ilícitas, embora seu efeito não seja evidente, por que não existe uma campanha contra as drogas lícitas? Só conheço de forma ostensiva a do tabaco que faz frente à hipocrisia das propagandas das bebidas alcoólicas, que primeiro incentiva a beber e depois: se beber não dirija! Ora, uma grande parte dos crimes violentos no Brasil é acometida por pessoas que fizeram ingestão abusiva da droga álcool, que é uma porta de entrada para as drogas ilícitas.

Afeto e escola para vencer vício

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Conferencista mexicano diz que dependente químico precisa ser acolhido e cercado de hábitos saudáveis para resistir ao tóxico

Zero Hora - KAMILA ALMEIDA

Atrair em vez de repelir. Esta é a máxima adotada pelo psicólogo e terapeuta familiar mexicano Ricardo Sánchez Huesca quando o assunto é o trato com os usuários de drogas. Durante o encerramento do 1º Congresso Internacional Crack e Outras Drogas, ontem, em Porto Alegre, Huesca apresentou fatores de risco que levam ao uso de entorpecentes.
O especialista aposta na afetividade para recuperar um dependente químico e diz que a escola pode ser um ambiente de resgate.

– Pais, professores, supervisores escolares devem ser ensinados a acolher o dependente químico, pois o viciado precisa se cercar de coisas saudáveis, se divertir para resistir ao consumo de drogas. Mas, para que isso ocorra, as famílias dos colegas, devem estar bem preparadas para lidar com a situação – diz.

Em contrapartida, o terapeuta relata que é no grupo de amigos que as crianças se espelham. Por isso, os pais precisam ficar atentos aos relacionamentos dos filhos.

Segundo o psicólogo, não é difícil estudar casos graves, pois são minoria.

– É mais do que um problema de saúde. É também um problema econômico e de estrutura social. É preciso ensinar o jovem a dizer não aos amigos e a ter autoestima – afirma.

Especialistas em combate às drogas do México, Colômbia, Argentina e Brasil dividiram experiências com os mais de mil participantes de nove Estados brasileiros durante os quatro dias do evento, que foi realizado no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

sábado, 17 de julho de 2010

O equívoco da liberalização da maconha

O equívoco da liberalização da maconha

SEGS - Portal Nacional Seguros & Saúde - ABEADDe tempos em tempos a discussão ganha espaço; A Abead alerta para seus malefícios e implicações
A equivocada convenção social de que existem drogas “leves” representa um grande problema de saúde pública. Medidas restritivas contra o álcool e o tabaco tentam colocar a imagem dessas substâncias em seu devido lugar: como a de verdadeiras drogas, com implicâncias severas na saúde coletiva e consequências em toda a sociedade, como acidentes de trânsito e violência doméstica, para citar apenas estes.Em situação semelhante encontramos a discussão sobre a liberalização da maconha, que veio à tona nesta semana com a divulgação de posicionamento da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento favorável à liberalização da erva para uso medicinal.A Abead (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas) alerta para os riscos de uma medida como essa, a começar pelo fato de que a maconha é uma das principais portas de entrada para o consumo de outras drogas, assim como ocorre com o tabaco, principalmente entre os jovens.
De acordo com o presidente da Associação, o psiquiatra Carlos Salgado, argumentos como o de que a maconha poderia ter fim medicinal não justiçam liberalização. “Existem alternativas para o controle de dor ou de apetite, por exemplo, que não implicam no uso da substância ou extrato. Temos várias opções bem estabelecidas, até para pacientes terminais”, comenta.“Discutir a liberalização da maconha é ir na contramão das políticas essenciais e urgentes para a prevenção do uso de drogas. A maconha não é uma droga benigna. Não está isenta de riscos. Além da dependência, pode causar câncer de cabeça, pescoço e pulmão e uma série de outras complicações”, diz o psiquiatra, com a estimativa de que um em 10 daqueles usuários de maconha tornam-se dependentes em algum momento do seu período de quatro a cinco anos de consumo pesado.Outra grande preocupação constitui no número cada vez maior de figuras públicas que admitem e defendem o consumo. “Essas pessoas são tidas como modelo, em especial para os jovens, e acabam por reforçar estigmas entre música, fama, arte e o consumo de drogas”, comenta Salgado.Atualmente a maconha é um grande problema de saúde pública no mundo inteiro, por ser a droga mais consumida entre as ilícitas. Por isso, é importante que não fiquem margens para que pareceres e opiniões sejam interpretados de maneira equivocada, validando o consumo de drogas ilícitas.As políticas públicas de combate às drogas e tratamento de dependentes, além do envolvimento da sociedade, são fundamentais para avanços. “Concordamos com a distinção entre quem comercializa a droga e o usuário, que necessita de tratamento, mas isso não pode justificar a liberalização. Se esse fosse o caso, teríamos que liberar qualquer substância que o próprio usuário produzisse? É no mínimo preocupante”, finaliza Carlos Salgado.Efeitos da maconhaOs efeitos da intoxicação aparecem após alguns minutos do uso. Déficits motores, como o prejuízo da capacidade para dirigir automóveis, e cognitivos, como a perda de memória de curto prazo, costumam acompanhar a intoxicação. Além disso, consumo de maconha pode desencadear quadros temporários de natureza ansiosa, tais como reações de pânico, ou sintomas de natureza psicótica.Complicações crônicasA dependência é uma das complicações crônicas do uso de maconha, apesar de não atingir a maioria de seus usuários. Os sintomas de abstinência mais relatados são irritabilidade, nervosismo, inquietação, fissura e sintomas depressivos, insônia, redução do apetite e cefaléia. O consumo prolongado e intenso de maconha é capaz de causar prejuízos cognitivos envolvendo vários mecanismos de processos de atenção e memória. O uso em indivíduos predispostos pode desencadear quadros psicóticos similares à esquizofrenia. O consumo de maconha em indivíduos predispostos está associado ao aparecimento de sintomas psicóticos, em alguns casos definitivos. Quanto ao aparelho reprodutor, há redução reversível do número de espermatozóides.Efeitos psíquicos* Letargia e sonolência* Euforia, bem-estar e relaxamento* Risos imotivados* Aumento da percepção de cores, sons, texturas e paladar* Sensação de lentificação do tempo* Afrouxamentos da associações* Prejuízo da concentração e memóriaEfeitos físicos* Hiperemia das conjuntivas (olhos avermelhados)* Aumento dos batimentos cardíacos* Boca seca* Retardo e incoordenação motora* Piora do desempenho para tarefas motoras e intelectuais complexas* Broncodilatação* Tosse* Aumento do apetite (‘larica’)

domingo, 4 de julho de 2010

Futebol, patriotismo e cerveja

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Por Lilia Diniz. Observatório da Imprensa
Copa do Mundo, a maior festa esporte no Brasil. Em frente à TV, milhões de telespectadores de todas as idades torcem entusiasmados pela seleção brasileira. Dentro dos gramados, nossos craques vendem saúde e... cerveja. Em 2010, a marca Brahma financia quatro jogadores brasileiros e é uma das patrocinadoras oficiais Copa do Mundo realizada na África do Sul. A venda da bebida é lícita e o hábito de acompanhar os jogos de futebol com cerveja é um traço da cultura brasileira, mas é aceitável que um produto cujos malefícios são comprovados cientificamente associe a sua marca à pratica do esporte?

O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (15/6) pela TV Brasil discutiu a publicidade de bebida alcoólica em eventos esportivos com a presença de dois convidados no estúdio de São Paulo. Erich Beting, diretor da Máquina do Esporte, empresa de cobertura dos negócios do esporte no Brasil e comentarista do canal BandSports é consultor editorial da Universidade do Futebol. Ronaldo Laranjeira é professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo e coordenador do Instituto Nacional de Políticas do Álcool e Drogas (INPAD) do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). É PhD em psiquiatria pela Universidade de Londres.

O jornalista e apresentador Alberto Dines explicou que a produção do Observatório entrou em contato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para saber como a entidade avalia a associação da seleção brasileira com uma marca de cerveja e a assessoria de imprensa garantiu que o time não tem nenhuma bebida alcoólica entre seus patrocinadores. Dines ponderou que a resposta é "curiosa", uma vez que o treinador Dunga e outros jogadores aparecem em comerciais com a camisa amarela.

Patrocina ou não?

O mediador do programa destacou que a explicação fica mais inconsistente porque o site da Brahma assegura que a marca é uma das patrocinadoras oficiais da seleção. O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) também foi convidado para o debate, mas não pode participar e enviou uma nota (ver íntegra abaixo) na qual afirma que a entidade veta a associação de marcas de bebidas alcoólicas a uniformes de esportes olímpicos e quaisquer apelos que sensibilizem diretamente o público menor de idade.

Em editorial, Alberto Dines ressaltou que quem manda fora dos gramados é a cerveja. "O anúncio de cerveja não é uma peça subliminar, disfarçada: o anúncio de cerveja é concebido para estimular diretamente o consumo da bebida, bebida alcoólica. E, ao associá-la à sensação de alegria e triunfo, emite-se uma mensagem clara: seja um vitorioso também, tome a sua cervejinha ao lado de uma estonteante morena brasileira ou loura importada." Dines sublinhou que o Conar só obedece a uma lei: "crescer sem controles e sem regulação".

A reportagem exibida pelo Observatório entrevistou Robert Galbrait, repórter especial da revista Meio e Mensagem. Galbrait explicou que em 2006 "toda a visibilidade" era concentrada na marca de cerveja Budweiser. Mas, depois da última Copa, o mercado das cervejas ficou mais complexo e a Ferderação Internacional de Futebol Associado (Fifa) precisou mudar o contrato. "A Inbev Anheuser-Busch virou o grande conglomerado mundial das cervejas, de maneira que o marketing desta nova corporação decidiu rever o acordo com a Fifa para fazer com que todas as suas marcas pudessem ser exibidas com este contrato de patrocínio", explicou.

Seleção guerreira

De acordo com o novo contrato, as marcas exibidas nas placas dos estádios durante os jogos serão as comercializadas nos países que estão em campo. Com isso, a Brahma pode entrar no time das marcas que serão exibidas na Copa. No Brasil, a marca de cerveja lançou sua campanha antes do início do torneio. Na peça publicitária veiculada pela televisão, Dunga e a seleção eram apresentados como "guerreiros".

Para Eduardo Tironi, diretor-executivo de Mídias Digitais do diário Lance!, o futebol brasileiro é "mais artístico" e, por isso, bem diferente do apresentado na propaganda. Tironi avalia que o fato de o técnico Dunga – que na sua vida pessoal e na atuação como comandante da seleção sempre buscou valorizar aspectos como "retidão, compromisso e patriotismo" – fazer propaganda de cerveja o deixa em uma posição contraditória. "Ao mesmo tempo em que o Dunga não aceita indisciplina em seu grupo, quer dedicação total, quer treinamento, exige ao máximo de seus comandados, ele faz propaganda de um produto que vai um pouco na contramão disso que ele prega", avaliou.

O desembargador Aloísio de Toledo César se disse "horrorizado" com o que acompanha pela televisão e criticou o fato de os jogadores, e principalmente o técnico Dunga, receberem altas quantias para fazer publicidade de bebida alcoólica. Já Robert Galbrait minimizou o impacto da publicidade: "Sinceramente, eu não consigo acreditar que uma criança vá ver uma marca – Brahma – e associar com o consumo de álcool".

Ilana Pinsk, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), avalia que a ligação do álcool com o esporte "não tem sentido" porque uma pessoa que consuma exageradamente o produto não terá capacidade de apresentar um bom desempenho no esporte.

A palavra da Ambev

Milton Seligman, diretor de relações corporativas e comunicação da Companhia de Bebidas da Américas (AmBev), disse que a empresa assina os comerciais da Brahma, que é patrocinadora, mas no uniforme da seleção usa a marca de um refrigerante. "Cervejas patrocinam times de futebol no mundo todo. No caso da companhia, nós patrocinamos a seleção brasileira e a seleção argentina. Na verdade, há muitos anos, a Quilmes patrocina a seleção da argentina e há dez anos a Ambev patrocina a seleção brasileira. Na camisa do Brasil, à exceção da grande maioria dos países e seguindo rigorosamente a autorregulamentação, nós usamos a marca Guaraná Antártica", ponderou.

Seligman destacou que as pesquisas mostram que o futebol – tanto em termos de audiência pela TV quanto em relação ao público que assiste às partidas nos estádios – é um esporte acompanhado majoritariamente por adultos; por isso, não há problema em fazer propaganda de álcool ligada ao futebol. Sobre o horário em que os comerciais são veiculados, Seligman afirmou que a bebida é anunciada em programas dirigidos ao público adulto, independente da hora em que são transmitidos. O uso de ídolos do esporte em comerciais de bebida é válido, na opinião de Seligman, desde que a publicidade não seja dirigida diretamente ao público infantil ou aos jovens.

No debate ao vivo, Dines pediu a opinião do psiquiatra Ronaldo Laranjeira sobre as afirmações de que as crianças não associam a publicidade de uma marca de cerveja ao consumo de álcool e que o público do futebol é majoritariamente adulto. "É surpreendente. Eu não sei em que mundo essas pessoas vivem, em que bombardear todos os dias as nossas crianças com propaganda de cerveja não tem uma influência no seu comportamento", criticou Laranjeira. Na sua opinião, as pessoas que associam os símbolos nacionais com a propaganda de cerveja estão cometendo um crime contra os valores da sociedade brasileira, que se expressam claramente em um momento como a Copa do Mundo.

O papel do governo

Laranjeira chamou a atenção para o fato de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou recentemente uma resolução segundo a qual, dentro das políticas mundiais de combate ao consumo excessivo de álcool, é preciso restringir ao máximo as propagandas de cerveja. Estas causam impacto maior na parcela da população que ainda não desenvolveu um padrão de consumo: as crianças e adolescentes. Para Laranjeira, o Ministério da Saúde poderia utilizar a resolução da OMS para promover um debate público sobre o tema. Na visão do psiquiatra, o ministério perdeu a chance de ter um papel de liderança e de se opor à "venda de valores nacionais pela CBF".

Dines perguntou a Erich Beting se a publicidade de bebida alcoólica poderia ser banida do futebol da mesma forma como, no passado, a propaganda de cigarro foi proibida em eventos automobilísticos. Beting disse que o caminho é o próprio esporte negar este tipo de comercial e se colocar em uma posição de soberania. Segundo o jornalista, a CBF fatura mais de 200 milhões de reais em publicidade e o contrato com a AmBev não corresponde a 10% desta soma – portanto, a seleção brasileira não dependeria necessariamente deste patrocinador.

"Cabe ao esporte e às próprias empresas de comunicação não aceitarem esse tipo de publicidade ou colocar-se a serviço desse tipo de indústria. Perde-se um pouco de dinheiro, mas, sem dúvida, ganha-se em retorno de imagem, em retorno institucional e, mais do que isso, o apelo da população que é contra este tipo de associação", avaliou.

Por Lilia Diniz. Observatório da Imprensa