sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Relatório Mundial sobre Drogas 2010 revela tendências de novas drogas e de novos mercados

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010, divulgado nesta quarta-feira pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra que o consumo de drogas está se deslocando em direção a tendências de novas drogas e de novos mercados. O cultivo de drogas está diminuindo no Afeganistão (ópio) e nos países andinos (coca), e o consumo de drogas tem se estabilizado nos países desenvolvidos. Entretanto, há sinais de aumento no consumo de drogas nos países em desenvolvimento, além de um aumento no consumo de substâncias do tipo anfetamina (ATS, na sigla em inglês) e no abuso de medicamentos sob prescrição em todo o mundo.







Redução do cultivo de ópio e de coca

O Relatório mostra que a oferta mundial dos dois tipos de drogas mais problemáticos - opiáceos e cocaína - continua em declínio. A área global de cultivo de ópio caiu quase um quarto (23%) nos últimos dois anos, e a produção de ópio deve cair drasticamente em 2010, devido a uma praga que pode destruir até um quarto da papoula do Afeganistão. O cultivo de coca, que diminuiu 28% na última década, manteve a tendência de queda em 2009. A produção mundial de cocaína diminuiu de entre 12% e 18% no período de 2007 a 2009.



Heroína: diminuição da produção, mas poucas apreensões

O potencial global de produção de heroína caiu 13% para 657 toneladas em 2009, refletindo uma menor produção de ópio no Afeganistão e em Mianmar. A quantidade de heroína que efetivamente chega ao mercado é muito menor (cerca de 430 toneladas), uma vez que grandes quantidades de ópio estão sendo armazenadas. O UNODC estima que existam atualmente mais de 12 mil toneladas de ópio afegão estocadas - o que equivale a cerca de dois anos e meio de demanda global ilícita de opiáceos.



O mercado global de heroína, estimado em US$ 55 bilhões, está concentrado no Afeganistão (país responsável por 90% da oferta), na Rússia, no Irã e na Europa Ocidental, que, juntos, consomem metade da heroína produzida no mundo.



Embora o Afeganistão seja o maior produtor de opiáceos do mundo, o país apreende menos de 2% dessa produção. Irã e Turquia lideram os índices de apreensão, sendo responsáveis por mais da metade de toda a heroína apreendida no mundo em 2008. As taxas de interceptação em outros lugares são muito menores. Ao longo da rota do norte, os países da Ásia Central somente apreendem meros 5% das 90 toneladas de heroína que cruzam seu território em direção a Rússia. Por sua vez a Rússia, que consome 20% da produção de heroína do Afeganistão, apreende apenas 4% desse fluxo. Os números são ainda piores ao longo da rota dos Bálcãs: alguns países do Sudeste da Europa, incluindo estados membros da União Europeia, interceptam menos de 2% da heroína que atravessa seu território.



O mercado de cocaína está mudando

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 revela que o consumo de cocaína tem diminuído significativamente nos Estados Unidos, nos últimos anos. O valor de varejo no mercado de cocaína nos Estados Unidos diminuiu cerca de dois terços na década de 1990, e cerca de um quarto na década passada. "Um dos motivos para a violência associada às drogas no México é que os carteis estão lutando por um mercado que está diminuindo", disse o Diretor Executivo do UNODC, Antonio Maria Costa. "Essa disputa interna é benéfica para a América, pois a escassez de cocaína está resultando em menores índices de dependência, preços mais elevados e menor pureza nas doses".



De certa forma, o problema atravessou o Atlântico: na última década, o número de usuários de cocaína na Europa duplicou, passando de 2 milhões, em 1998, para 4,1 milhões em 2008. Em 2008, o mercado europeu (estimado em US$ 34 bilhões) chegou a ser quase tão valioso quanto o mercado norte-americano (US$ 37 bilhões). A mudança na demanda acarretou uma mudança nas rotas de tráfico, com uma quantidade crescente de cocaína sendo traficada dos países andinos para a Europa, via África Ocidental. Isso está causando instabilidade na região. "Pessoas que consomem cocaína na Europa estão destruindo florestas nativas dos países andinos e corrompendo governos na África Ocidental", disse Costa.



Uso de drogas sintéticas ultrapassa o de opiáceos e de cocaína somados

O número global de pessoas que usam estimulantes do tipo anfetamina (ATS), estimado em algo entre 30 a 40 milhões, em breve deverá ultrapassar o número somado de usuários de opiáceos e de cocaína. Há também evidências de um crescente abuso de medicamentos vendidos sob prescrição médica. "Não vamos resolver o problema mundial da droga se simplesmente empurrarmos o vício da cocaína e heroína para outras substâncias que causam dependência - e há quantidades infinitas dessas substâncias sendo produzidas por laboratórios clandestinos a custos baixíssimos", advertiu Costa.



O mercado das ATS é mais difícil de ser controlado porque a rota do tráfico é muito curta (a produção geralmente ocorre perto dos principais mercados de consumo), e pelo fato de que muitas das matérias-primas são legais e amplamente disponíveis. Os fabricantes são rápidos na comercialização de novos produtos (como quetamina, piperazinas, Mefedrona e Spice) e na exploração de novos mercados. "Essas novas drogas causam um problema duplo. Primeiramente, elas são produzidas num ritmo muito mais rápido do que as normas regulatórias e a lei podem acompanhar. Em segundo lugar, a comercialização dessas drogas é engenhosamente inteligente, pois são fabricadas sob encomenda, de modo a satisfazer as preferências específicas de cada situação", disse Costa.



O número de laboratórios clandestinos de ATS relatados aumentou 20% em 2008, inclusive em países onde esses laboratórios nunca antes haviam sido detectados.



A fabricação de ecstasy tem aumentado na América do Norte (principalmente no Canadá) e em várias partes da Ásia, e o consumo parece estar aumentando na Ásia. Em outra demonstração da fluidez dos mercados de drogas, o consumo de ecstasy na Europa vem caindo desde 2006.



A maconha continua sendo a droga mais popular do mundo

A maconha continua sendo a substância ilícita mais amplamente produzida e utilizada no mundo: é cultivada em quase todos os países do mundo e consumido por algo entre 130 a 190 milhões pessoas pelo menos uma vez por ano - apesar de esses parâmetros não dizer muito em termos de dependência. O fato de que o consumo de maconha esteja diminuindo em alguns de seus mercados mais valiosos, leia-se América do Norte e partes da Europa, ele representa outra indicação de mudança nos padrões do abuso de drogas.



O UNODC encontrou evidências de cultivo indoor de maconha para fins comerciais em 29 países, especialmente na Europa, na Austrália e na América do Norte. O cultivo indoor de maconha é um negócio lucrativo e que, cada vez mais, se torna uma fonte de recursos para grupos criminosos. Com base em dados recolhidos em 2009, o Afeganistão é hoje o maior produtor mundial de haxixe (assim como de ópio).



Tratamento para dependentes é insuficiente

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 expõe uma grave falta de serviços de tratamento para usuários de drogas em todo o mundo. "Enquanto pessoas de países ricos podem pagar pelo tratamento, pessoas pobres e/ou países pobres estão enfrentando as piores consequências à saúde", alertou o chefe do UNODC. O relatório estima que, em 2008, apenas cerca de um quinto dos usuários de drogas dependentes receberam tratamento no ano passado - o que significa cerca de 20 milhões de pessoas dependentes de drogas sem receber tratamento adequado. "Já está na hora de haver acesso universal ao tratamento para as drogas", disse Costa.



Ele considera que a saúde é a peça-chave no controle de drogas. "A dependência é um problema de saúde tratável, não uma sentença morte. Os dependentes de drogas devem ser encaminhados para tratamento, não para a prisão. E o tratamento da dependência de drogas deve fazer parte dos serviços de saúde em geral".



Ele também fez um apelo por um maior respeito pelos direitos humanos. "Só porque as pessoas usam drogas ou estão atrás das grades, isso não elimina seus direitos. Faço um apelo aos países onde as pessoas são executadas por crimes relacionados com drogas, ou pior, são mortos a tiros por grupos de extermínio, para acabar com essas práticas".



Sinais de alerta nos países em desenvolvimento

Costa destacou os perigos do uso de drogas nos países em desenvolvimento. "As forças do mercado já moldaram as dimensões assimétricas da economia da droga: os maiores consumidores de drogas (os países ricos) impuseram aos países pobres (os principais locais de abastecimento e de tráfico) os maiores danos", disse Costa. "Os países pobres não estão em condições de absorver as consequências do aumento do consumo de drogas. Os países em desenvolvimento enfrentam uma crise iminente que poderá levar milhões de pessoas para o problema da dependência de drogas".



Ele citou como exemplos o crescimento do consumo de heroína na África Oriental, o aumento do uso de cocaína na África Ocidental e na América do Sul e o aumento na produção e no abuso de drogas sintéticas no Oriente Médio e no Sudeste Asiático. "Nós não vamos resolver o problema mundial da droga deslocando o consumo dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento", disse Costa.



Tráfico de drogas e instabilidade

O Relatório Mundial sobre Drogas 2010 traz um capítulo especial sobre a influência desestabilizadora do tráfico de drogas nos países de trânsito, focando em particular no caso da cocaína. Ele mostra como o subdesenvolvimento e a fragilidade dos governos atrai o crime, ao mesmo tempo em que o crime aprofunda a instabilidade. O documento mostra como a riqueza, a violência e o poder do tráfico de drogas podem comprometer a segurança e até mesmo a soberania dos estados. A ameaça à segurança instaurada pelo tráfico de drogas esteve na pauta do Conselho de Segurança das Nações Unidas em diversas oportunidades no ano passado.



Embora a violência relacionada às drogas no México receba uma atenção considerável, o Triângulo Norte da América Central, composto por Guatemala, Honduras e El Salvador está sendo ainda mais afetado, com taxas de homicídio muito mais elevadas do que as do México. O Relatório diz que a Venezuela emergiu como um ponto importante de origem para a cocaína traficada para a Europa: entre 2006 e 2008, mais da metade de todos os carregamentos marítimos interceptados com cocaína para a Europa veio da Venezuela.



O Relatório destaca a situação de instabilidade na África Ocidental, que se tornou um centro de tráfico de cocaína. O documento observa que "traficantes conseguiram cooptar figuras importantes de algumas sociedades de regime autoritário", citando o caso recente da Guiné-Bissau.



Costa pediu mais desenvolvimento para reduzir a vulnerabilidade ao crime e para um maior esforço na aplicação da lei para lidar contra o tráfico de drogas. "Se não enfrentarmos de forma efetiva a ameaça representada pelo crime organizado, nossa sociedade será mantida como refém - e o controle de drogas ficará comprometido por reiteradas manifestações para acabar com as convenções de drogas da ONU, as quais críticos apontam como causa da criminalidade e da instabilidade. Isso irá desfazer o progresso conquistado pelo controle de drogas na última década e desencadear um desastre em termos de saúde pública", alertou. "A menos que a prevenção e o tratamento sejam levados mais a sério, o apoio da opinião pública para as convenções de drogas da ONU irá diminuir".

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